O Comitê Gestor do IBS no contexto da Reforma Tributária: estrutura, competências e desafios
- Q8 Tecnologia
- 19 de set.
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Resumo
O presente artigo analisa as disposições do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/24), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, que institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). Examina-se a estrutura, a composição e as competências do órgão, bem como seus impactos para a federação e para o setor produtivo, especialmente o varejo. A análise também contempla a disciplina do split payment, ajustes setoriais e a harmonização tributária decorrente da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025. Conclui-se que o êxito do CG-IBS dependerá da cooperação federativa, da eficiência tecnológica e da sensibilidade política na definição de regimes e alíquotas.
Palavras-chave: Reforma Tributária; IBS; Comitê Gestor; PLP 108/2024; Federalismo Fiscal.
1. Introdução
A Emenda Constitucional nº 132/2023 promoveu a mais ampla transformação no sistema tributário brasileiro desde a Constituição de 1988, substituindo tributos sobre o consumo (ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Trata-se de alteração estrutural, que exige regulamentação infraconstitucional para viabilizar sua implementação.
Entre os instrumentos criados destaca-se o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), previsto no PLP 108/2024, cuja aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em setembro de 2025, inaugura um novo modelo de governança tributária.
O Comitê é concebido como órgão colegiado e independente, incumbido de administrar a arrecadação, fiscalizar o cumprimento da legislação e distribuir receitas entre os entes federativos, nos termos da EC 132/2023 e da LC 214/2025.
2. Estrutura e Competências do Comitê Gestor
O CG-IBS centraliza funções essenciais para o novo sistema tributário:
edição de regulamentos e definição de obrigações acessórias;
arrecadação, compensação e distribuição de receitas;
uniformização da interpretação da legislação do IBS;
decisão de litígios administrativos, por meio de instâncias como o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (CHAT), cujas deliberações terão efeito vinculante inclusive para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A instituição de instâncias de harmonização representa avanço significativo na busca por segurança jurídica e redução da litigiosidade, um dos maiores problemas do sistema atual.
3. Representatividade Federativa
O CG-IBS será composto por 27 representantes dos Estados e do Distrito Federal e 27 representantes dos Municípios, assegurando equilíbrio federativo.
A participação estadual ocorrerá por meio de indicação dos governadores, com representação exercida por Secretários de Fazenda. Já os representantes municipais serão eleitos mediante processo organizado pelo próprio Comitê, com regulamentação inicial pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e pela Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP).
Em caráter transitório, até 2027, a escolha dos representantes municipais será feita por indicação direta da CNM e da FNP, viabilizando a instalação imediata do Comitê ainda em 2025.
4. O Split Payment
Outro ponto relevante do PLP 108/2024 é a regulamentação do split payment, mecanismo de recolhimento automático que segrega o valor do IBS e da CBS no momento do pagamento da operação.
A sistemática:
abrange tanto operações B2B quanto B2C;
prevê penalidades administrativas para prestadores de serviços de pagamento que descumprirem obrigações de segregação;
disciplina hipóteses de devolução e cancelamento;
cria regime específico para a Zona Franca de Manaus (ZFM).
Embora represente avanço no combate à evasão, o mecanismo impõe ao setor privado, sobretudo ao varejo, a necessidade de adequação tecnológica, considerando o alto volume transacional característico da atividade.
5. Ajustes Setoriais
O relatório do Senado também introduziu alterações de caráter setorial:
Serviços financeiros: definição antecipada de alíquotas escalonadas até 2033;
Bebidas açucaradas: inclusão no Imposto Seletivo, com escalonamento gradual e teto de 2%;
Combustíveis e petroquímica: adoção de regime monofásico para gasolina e diesel e suspensão tributária para insumos da indústria petroquímica;
ITCMD e ITBI: ajustes de base de cálculo, progressividade e imunidades, adequando-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Essas disposições revelam o caráter híbrido do PLP 108/2024, que além de regulamentar o Comitê, incorpora ajustes à primeira etapa da reforma (LC 214/2025).
6. Impactos no Setor Varejista
No setor varejista, os principais impactos esperados são:
Simplificação tributária, com redução da complexidade normativa e unificação de obrigações acessórias;
Necessidade de investimentos em tecnologia, diante da aplicação do split payment e da gestão eletrônica do IBS;
Possibilidade de alteração nos regimes favorecidos, em razão da avaliação quinquenal prevista no PLP 108/24, que poderá rever benefícios relacionados à cesta básica e a produtos essenciais.
Esse último ponto demanda especial atenção, visto que a tributação sobre consumo é regressiva e afeta diretamente os bens de primeira necessidade, exigindo mecanismos de compensação, como o cashback previsto na reforma.
7. Conclusão
O Comitê Gestor do IBS constitui um dos pilares da Reforma Tributária e será determinante para a sua efetividade. Sua estrutura colegiada e independente busca equilibrar interesses federativos e garantir a operacionalidade do novo sistema, reduzindo disputas e assegurando maior neutralidade econômica.
Entretanto, seu sucesso dependerá de três fatores fundamentais: (i) a cooperação entre União, Estados e Municípios; (ii) a eficiência tecnológica na implementação do split payment e da administração eletrônica; e (iii) a sensibilidade política na revisão periódica de regimes diferenciados, de modo a preservar a justiça fiscal e a competitividade do setor produtivo.
Para empresários e gestores públicos, acompanhar as deliberações do CG-IBS é imprescindível, pois delas dependerá a configuração da tributação do consumo no Brasil nas próximas décadas.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 2025.
BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024.
ARKO ADVICE. Informe PLP 108/2024 – Comitê Gestor do IBS. Brasília, setembro de 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5.422. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em 2018.
Por Ana Paula Almeida da Rosa, Advogada Tributarista, especialista no seguimento de varejo. Sócia-Fundadora do Escritório Rosa & Salomão Sociedade de Advogados, responsável pela gestão jurídica das áreas Tributária e Regulatória Administrativa e Fiscal, Bacharel em Direito pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie/RJ. MBA em ESG pelo IBMEC/RJ. Diretora Acadêmica no Instituto Brasileiro de Advocacia e Negócios – IBAN. Membra do Comitê Tributário e Financeiro do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros. Mentora da Mentoria Jurídica da OAB/RJ. Relatora da 5ª. Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Coordenadora do Conselho Jurídico da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro – ASSERJ. Membra do Comitê Jurídico e Tributário da Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS. Sócia-Administradora da APAR Consultoria e Gestão, e Presidente Executiva do Instituto Todos Pelo Rio. E-mail: anapaula@lrsadvogados.com – (021) 9988058-02.
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